Foto : Divulgação/Jessica Perez dos Santos e Arte sobre vídeo/Rede Massa
Por Helcio Kovaleski*
Cara leitora, caro leitor. Pense em alguém que atravessou o século 20 inteirinho, do início ao fim, e que está vivinha da silva, esbanjando vitalidade, em pleno início da terceira década do século 21. E isso não é somente uma força de expressão.
Que, de 1900 até hoje, passou por 35 presidentes da República (de Campos Sales, que governou o Brasil entre 15 de novembro de 1898 e 15 de novembro de 1902, ao atual, Jair Messias Bolsonaro, no exercício do cargo desde 1º de janeiro de 2019); por 43 governadores do Paraná (de Santos Andrade, gestão que durou de 10 de maio de 1899 a 25 de fevereiro de 1900, ao atual, Carlos Massa Ratinho Júnior, no cargo desde 1º de janeiro de 2019); e por 52 prefeitos de Tibagi (do coronel Telêmaco Augusto Enéas Morosini Borba, que administrou a cidade de 6 de novembro de 1897 a 6 de novembro de 1900, ao atual, Artur Ricardo Nolte, o Butina, no cargo desde 1º de janeiro deste ano).
Alguém que, quando nasceu, Tibagi tinha sido elevada à categoria de cidade havia menos de três anos (em 27 de dezembro de 1897, através da Lei Estadual 259). Sete anos antes do seu nascimento, em 1893, por exemplo, tinha iniciado, no país, a Revolução Federalista (que terminou em 1895).
Pense em alguém que está neste mundo desde a “Exposição Universal de 1900”, realizada em Paris (inaugurada em 14 de abril daquele ano e com duração de sete meses), que apresentou as então novas conquistas tecnológicas do progresso e uma evocação das “recentes evoluções técnicas e culturais”. Alguém que passou pelas duas Grandes Guerras Mundiais – a Primeira, de 1914 a 1918, e a Segunda, de 1939 a 1945.
Alguém que passou por sete denominações e dez mudanças de moeda, no Brasil: Mil Réis, Cruzeiro, Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro Real e Real. Que vivenciou, mesmo que muitas vezes a distância, todas as transformações sociais, culturais, econômicas e políticas ocorridas no país desde 1900 até a atualidade. Que viveu tempo suficiente para ser contemporânea das principais mudanças das novas tecnologias, principalmente de comunicação – desde uma então jovem Fotografia, nascida oficialmente pelas mãos do francês Joseph Niépce, no verão de 1826; passando por um ainda “bebê” chamado Cinema, então com cinco anos de idade (nascido em 28 de dezembro de 1895); que vivenciou o advento do Rádio, em 7 de setembro de 1922, e da Televisão, em 18 de setembro em 1950, no Brasil; e que está em plena era digital e das inevitáveis e imprescindíveis redes sociais.
Essa pessoa ainda vive entre nós – e vai muito bem, obrigada. Trata-se de Amantina dos Santos Duvirgem, ou simplesmente Dona Júlia, moradora da localidade de Serra Gaias, no distrito de Caetano Mendes (a 35 km da sede do município), que completou 121 anos no dia 22 de junho deste ano.
Não, você não leu errado. São 121 anos, mesmo. Uma idade extraordinária sob qualquer ponto de vista e que credencia Dona Júlia, seguramente, como uma das pessoas mais velhas do mundo – senão, possivelmente, a mais velha deste planeta (leia texto abaixo).
“Olha, é um fato bem relevante, porque chegar a cem anos é uma vida muito longa, e aos 121, que nem a Dona Júlia, tem mais é que dar os parabéns, desejar muito sucesso e que ela tenha um bom tempo, ainda”, comemora o prefeito Artur Butina. “Porque, indiferente de questão, ela tem uma saúde muito boa. Então, que Deus continue olhando por ela, protegendo, e que ela possa vivenciar mais alguns anos a nossa terra, Tibagi”, completa.
Conforme relata a assistente social Helen Cristina Pereira, que trabalha no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Dona Júlia, que mede cerca de 1,5 m, mora em uma casa “que foi toda adaptada para ela”, em Serra Gaias, e recebe os cuidados de Maria Edenir Lúcio, que a acompanha há pelo menos 20 anos.
“A Dona Júlia não fala, mas entende tudo o que é falado pra ela”, diz Helen. Sua alimentação preferida é bolo de polvilho “de Tibagi” e ovo cozido. “Ela não tem diabetes, dor de cabeça e nem pressão alta. Não toma remédio e não tem cabelo branco. E adora usar brincos e pulseiras”, continua Helen. Atualmente, Dona Júlia é beneficiária do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e acompanhada “de perto” pela Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social.
Documentos
Conforme reportagem publicada em 22 de junho de 2015, no site g1.globo.com, intitulada “Ex-andarilha, idosa de 115 anos é adotada por família do interior do PR”, Dona Júlia vivia sozinha, mas acabou conquistando “um novo lar” após ter sido adotada “por uma família do vilarejo de Serra Gaias quando fez 100 anos, em 2000”. “Sempre sorridente, hoje a mulher com 115 anos esbanja saúde”, informava a matéria.
Nesse período, segundo a reportagem, Dona Júlia “ganhou os primeiros documentos”. “Ela não fala e se comunica apenas por gestos. A família que a acolheu teve, então, dificuldades para compreender o ano e a cidade em que ela tinha nascido. 'Ela vivia pra lá e pra cá, morava numa casinha ali, sofria, sabe?', relembra a filha adotiva de Dona Júlia, Maria Ednir de Almeida [sic], que resolveu levá-la para casa”, dizia a matéria. Helen conta que, como Dona Júlia não tinha documentos, uma das maneiras de se constatar a sua idade foi através do testemunho de três pessoas mais idosas.
Reportagem da Rede Massa postada no Facebook, em 16 de junho de 2017 (disponível AQUI), mostra que Dona Júlia fez questão de comparecer ela mesma ao Fórum Eleitoral Edmundo Mercer Júnior, em Tibagi, para fazer o Título de Eleitor, acompanhada de Maria Edenir. Na reportagem, Dona Júlia aparece sorridente, mostrando esse documento junto com a sua Carteira de Identidade.
Festas
Segundo Helen, desde 2015, Dona Júlia ganha festas de aniversário com temáticas diferentes, que são promovidas pela Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social e pelo Serviço de Convivência de Fortalecimento de Vínculos (SCFV), localizado na vila São José, “que oferta serviços nos dois distritos de Tibagi, como o grupo de idosos Renascer, de Caetano Mendes”. Em 2017, por exemplo, aconteceu o “Arraiá da Júlia”, com direito a violão e sanfona. “Agentes comunitárias de saúde [ACSs] fizeram os enfeites”, relata Helen.
Em 2021, a festa em comemoração aos 121 anos aconteceu em 22 de junho, na própria casa de Dona Júlia. Conforme explica a atual secretária municipal da Criança e Assistência Social, Tatiane de Fátima da Silva Oliveira, foi uma iniciativa da primeira-dama Kelly Oliveira, de assistentes sociais e do Programa do Voluntariado Paranaense (Provopar). “Neste ano, devido à pandemia, foi só levado um bolo para a Dona Júlia e um presente, confeccionado pelas costureiras do Provopar”, conta Tatiane, que foi à casa de Dona Júlia acompanhada de Helen Cristina Pereira e de Jessica Perez dos Santos, funcionária terceirizada que realizou os serviços de fotografia e edição de vídeo. “Mesmo com a pandemia, a festa dela não passou em branco”, reforça Helen. “No Carnaval de 2020, por exemplo, ela participou da matinê para idosos”, conta.
*Com informações dos sites pt.wikipedia.org, g1.globo.com e correiodoscampos.com.br
Mesmo sendo a pessoa mais velha do mundo,
nome de Dona Julia não aparece em listas oficiais
Mesmo com a idade de 121 anos comprovada por documentação e testemunho de pessoas que conviveram com Amantina dos Santos Duvirgem, a Dona Júlia, o seu nome não aparece em listas de rankings oficiais, como o Guinness World Records e o Gerontology Research Group (GRG). Segundo informa o site wikipedia.org, quem encabeça a lista das cem pessoas mais velhas do mundo é a francesa Jeanne Calment, que chegou à idade de 122 anos e 164 dias. Ela nasceu em 21 de fevereiro de 1875 e morreu em 4 de agosto de 1997.
Nessa lista, sete pessoas ainda estão vivas – todas mulheres. Duas são brasileiras. O primeiro nome que aparece é o da japonesa Kane Tanaka. Ela naceu em 2 de janeiro de 1903 e contava, até esta terça-feira (27), com 118 anos e 206 dias. Da lista das cem pessoas, Kane aparece em terceiro lugar. Mais nova, portanto, que Dona Júlia, que, com base nessa lista, pode, sim, ser considerada a pessoa viva mais velha do mundo.
Na sequência, aparecem Lucile Randon, francesa (nascida em 11 de fevereiro de 1904, em sétimo lugar na lista de cem); Francisca Celsa dos Santos, brasileira (21 de outubro de 1904, 13º); Antônia da Santa Cruz, brasileira (13 de julho de 1905, 22º); Tekla Juniewicz, ucraniana-polonesa (10 de junho de 1906, 50º); Thelma Sutcliffe, estadunidense (1º de outubro de 1906, 60º); e Valentine Ligny, francesa (22 de outubro de 1906, 64º).
Todas as pessoas constantes dessa lista “tiveram a sua longevidade reconhecida pelo Guinness World Records ou pelo Gerontology Research Group (GRG)” – (disponível AQUI).
BPC é previsto na Lei Orgânica da Assistência Social
O BPC (Benefício de Prestação Continuada) é previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Segundo informa o site www.gov.br/cidadania, o BPC é “a garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade”.
No caso da pessoa com deficiência, tal condição “tem de ser capaz de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos dois anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas”.